Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Náuseas

Neuras do dia-a-dia

Neuras do dia-a-dia

Náuseas

12
Ago20

Citações, de "A Colmeia", de Camilo José Cela

náuseas

O autor de "A Colmeia" não parece ser alguém que eu gostasse de conhecer pessoalmente.  Aparentemente ligado ao regime de Franco, não deve parece ter sido muito boa pessoa.  E o filho que o diga.  Mas aqui ficam duas frases (completamente fora de contexto) que me ficaram na memória.

"De grandes ceias estão as sepulturas cheias."

(um ditado popular.)

"É mais triste um títere degolado que um homem morto."

 

30
Jul20

Pequenos nadas

náuseas

apathy.jpg

Passou-se isto há uns dias, num dia de imenso calor, ao fundo do Quebra-Costas em Coimbra. Quem conhece sabe bem o inferno que é subir aquela escadaria rumo às Sés (Velha e Nova). Principalmente num dia de calor como era aquele.

Numa esplanada logo a seguir ao Arco de Almedina estava uma família numa esplanada à espera que lhes servissem o almoço. Bebericavam as suas bebidas moles enquanto observavam o sofrimento de quem passava. Muitos turistas subiam e desciam aquela via, a maioria com ar abatido. Ao fundo, ainda a passar o arco, uma velhinha arrastava um saco, qual Sísifo ao iniciar mais uma ascensão. Empurrava a sua rocha com visível sofrimento e, chegado ao primeiro banco, sentou-se a descansar.

Entretanto, a tal família (pai e mãe nos quarenta, filha nos quinze), observava o suplício. Breve troca de palavras. "Coitada! Podia ir levar-lhe um pouco desta água." "Não sejas louca, achas que ela ia aceitar assim água de estranhos? Primeiro não tens um copo extra. Ainda por cima ela vai sem máscara."

Cerca de dez minutos volvidos, a velhinha lá ganha coragem e recomeça a escalada. "Pobre mulher. Achas que vá ajudá-la?" "É contigo. Se te apetece ir com ela, a carregar-lhe o saco sabe-se lá até onde, podes ir." A mãe hesitou um pouco. Colocou a máscara e foi ter com a velhinha. Ela não se fez rogada. Desdobrou-se em agradecimentos, passou-lhe o saco e a carteira, agarrou um braço da mãe e lá foram as duas. A velhinha a mancar e a mãe a servir de muleta. A velhinha morava num prédio um pouco acima, por isso a mãe regressou ainda antes do almoço chegar.

Durante a sua ausência: "Não sei como a mãe consegue. Eu não tenho coragem. Mesmo que queira muito ajudar, não consigo fazer o que a mãe fez." "Pois é, a mãe é assim. Ainda bem que temos pessoas como ela. O mundo estaria condenado se todos fossem como nós os dois."

Passou-se há poucos dias atrás. Eu vi. E também não fui ajudar a velhinha.

29
Jul20

Náuseas (2)

náuseas

Sempre me perturbou olhar o fundo escuro de um bosque em quincôncio. A sombra verde salpicada de luz relaxa-me mas desperta-me também uma inquietação que não consigo precisar, uma inquietação muito antiga. Consigo ficar imenso tempo a olhar o bosque, esquecido de tudo. Mas aos poucos a inquietação inflama até se tornar intolerável, e sou dominado por um terror quase religioso que me obriga a
afastar bruscamente os olhos, ou a fecha-los. É o mesmo pavor dos sonhos em que paralisamos perante um perigo irracional. Provavelmente um medo semelhante ao que fez os nossos antepassados inventarem os deuses.

Mas gosto muito de olhar um bosque em quincôncio. Porque sei que o pavor está cá dentro e que vai aparecer lentamente. Porque sei que o consigo fazer desaparecer a qualquer momento, assim que não conseguir aguentar mais.

 

31
Mai19

Culpas

náuseas

É pena que deus não se tenha dignado a existir para que o pudesse culpar de me ter dado asas defeituosas que me impediam de voar. Assim, tenho de culpar os outros por não me deixarem espaço para poder levantar vôo.

13
Mai19

Saudades do maravilhamento

náuseas

E a saudade do tempo em que fui músico continua a assaltar-me ocasionalmente. Não por ter sido um tempo em que ainda tinha sonhos e em que o corpo não se recusava a fazer o que lhe era pedido. Mas saudades por ter sido um tempo em que não havia ainda os automatismos que hoje me fazem acordar todos os dias com sono, com dores e com tristezas. Saudade por ter sido um tempo em que a disponibilidade para me emocionar com o belo era total.

 

Hoje, condicionado com o quotidiano, essa disponibilidade é diminuída pelo cansaço do corpo. Mas ocasionalmente a emoção consegue ainda romper a casca rija com que a vida nos vestiu e o maravilhamento reaparece numa sinfonia de Brahms ou num poema de Pessoa.

 

07
Mai19

Pensamento

náuseas

Li algures, julgo que numa das Conta-Corrente do Vergílio Ferreira (mas que podia estar já a citar um outro autor) que quando choramos alguém choramos apenas por pena de nós próprios.  Talvez seja assim.  Mas saber isso não nos seca as lágrimas.