Saudades do maravilhamento
E a saudade do tempo em que fui músico continua a assaltar-me ocasionalmente. Não por ter sido um tempo em que ainda tinha sonhos e em que o corpo não se recusava a fazer o que lhe era pedido. Mas saudades por ter sido um tempo em que não havia ainda os automatismos que hoje me fazem acordar todos os dias com sono, com dores e com tristezas. Saudade por ter sido um tempo em que a disponibilidade para me emocionar com o belo era total.
Hoje, condicionado com o quotidiano, essa disponibilidade é diminuída pelo cansaço do corpo. Mas ocasionalmente a emoção consegue ainda romper a casca rija com que a vida nos vestiu e o maravilhamento reaparece numa sinfonia de Brahms ou num poema de Pessoa.