fragmentos (2)
Acordar muito cedo e ficar quieta, a escutar o vento no pomar. É o meu momento preferido do dia. Sentir o dia a esperguiçar-se lá fora, a querer prolongar a noite mais um pouco. Digo a mim mesma que a madrugada não vai acabar, finjo acreditar que a doçura desta penumbra matinal durará para sempre. Por vezes, nesses momentos, gosto de me concentrar nos meus dedos dos pés e começar a sentir os dedos cada vez mais longe e eu a ficar grande, cada vez maior, enorme. É uma vertigem que tenho desde criança, consigo sentir quase fisicamente a imensidão do meu corpo que se alonga infinitamente até ficar tonta e ter de voltar ao meu corpo.
Por vezes um pássaro lá fora, um cão a ladrar, um galo. Recordam-me que em breve tudo irá terminar e a vida irá retomar. Lembro-me novamente, não sei porquê, do sr. António. Disseram-me que a música lhe corre mal, que há não sei que chatices lá na banda. Há tantos anos lá, a tocar trombone, e agora tentam pô-lo fora porque não há já lugar para ele.