Culpas
É pena que deus não se tenha dignado a existir para que o pudesse culpar de me ter dado asas defeituosas que me impediam de voar. Assim, tenho de culpar os outros por não me deixarem espaço para poder levantar vôo.
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É pena que deus não se tenha dignado a existir para que o pudesse culpar de me ter dado asas defeituosas que me impediam de voar. Assim, tenho de culpar os outros por não me deixarem espaço para poder levantar vôo.
"O bom senso é a coisa que, no mundo, está mais bem distribuída: de facto, cada um pensa estar tão bem provido dele, que até mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em todas as outras coisas não têm de forma nenhuma o costume de desejarem mais do que o que têm.
(Ah! Eu sabia!)
E nisto, não é verosímil que todos se enganem; mas antes, isso testemunha que o poder de bem julgar, e de distinguir o verdadeiro do falso, que é aquilo a que se chama o bem senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; da mesma forma que a diversidade das nossas opiniões não provém do facto de uns serem mais razoáveis do que os outros, mas unicamente do facto de nós conduzirmos os nossos pensamentos por vias diversas, e de não considerarmos as mesmas coisas.
Descartes, Discurso do Método, I Parte
Sexta-feira. Aborreço-me. Trabalho por hábito, por necessidade, por automatismo. Aborreço-me. Olho os gatos também aborrecidos, dividimos entre nós um spleen, um tédio existencial que impossibilita qualquer entusiasmo com o facto de amanhã ser fim-de-semana. Felizmente hoje é sexta-feira.
Definição jocosa de filosofia citada por Vergílio Ferreira na sua conta-corrent III, a 3 de Outubro de 1981:
... a filosofia é um saber com o qual ou sem o qual se fica sempre tal e qual...
Hoje, sem razão aparente, veio-me à memória uma antiga colega de escola, a Ana Maria (por onde andarás tu, Ana?). Fomos colegas no 5º ou 6º ano, devíamos ter então 10 anos de idade. A Ana Maria era muito bonita, mas o que realmente sobressaía nela eram os seus dentes incrivelmente brancos. Talvez por ter uma tez bronzeada, a alvura dos seus dentes destacava-se bastante na sua linda face, especialmente porque Ana sorria muito, sorria sempre. Mas o episódio que inevitavelmente me veio à memória foi o dia em que Ana dizia acerca de mim a uma professora que eu "tinha uns dentes muito branquinhos". E esta?
E a saudade do tempo em que fui músico continua a assaltar-me ocasionalmente. Não por ter sido um tempo em que ainda tinha sonhos e em que o corpo não se recusava a fazer o que lhe era pedido. Mas saudades por ter sido um tempo em que não havia ainda os automatismos que hoje me fazem acordar todos os dias com sono, com dores e com tristezas. Saudade por ter sido um tempo em que a disponibilidade para me emocionar com o belo era total.
Hoje, condicionado com o quotidiano, essa disponibilidade é diminuída pelo cansaço do corpo. Mas ocasionalmente a emoção consegue ainda romper a casca rija com que a vida nos vestiu e o maravilhamento reaparece numa sinfonia de Brahms ou num poema de Pessoa.
Um aforismo do pintor George Braque: "Gosto da lei que corrige a emoção".
Li algures, julgo que numa das Conta-Corrente do Vergílio Ferreira (mas que podia estar já a citar um outro autor) que quando choramos alguém choramos apenas por pena de nós próprios. Talvez seja assim. Mas saber isso não nos seca as lágrimas.
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