Hoje fui lá fora
Hoje fui lá fora. Havia gente. Voltei para dentro.
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Hoje fui lá fora. Havia gente. Voltei para dentro.
Um grito rasga a noite.
Um urro horrível, lancinante, primordial.
Um grito animal vindo do início do mundo.
Tem sido assim todas as noites.
O grito acorda-me, paralisa-me. Deixa-me a boca seca.
Transpiro, uma angústia contorce-me o estômago e sofro.
Escuto o silêncio, procuro. Nada. Tudo dorme.
O mundo do início vem do animal que grita.
A noite rasga o grito.
Não sou cinéfilo. Na realidade, conheço muito pouco de cinema. É raro ver um filme. Mas os (poucos) que vi de Agnès Varda emocionaram-me sempre porque parecem ser sinceros. Recordo-me em particular do La Pointe Courte (com os seus gatos!) e Sans Toit ni Loi.
Agnès deixou-nos hoje. É a vida.
Vejam só o que o correio hoje me trouxe:
Pois é, decidi provar que não sou assim tão avarento como dizem e renovar os meus Dostoievskis.
Já tinha quase toda a obra dele, mas tudo comprado em 2ª mão em alfarrabistas e feiras. Por exemplo, o exemplar do Crime e Castigo que tinha era uma edição antiquíssima da Portugália comprado (em 2a mão, claro!) em 22 Julho de 1995! Bom, aproveitei que estava a planear reler tudo e comprei o que havia disponível, na tradução de António Pescada que, segundo ouvi os entendidos, é a mais recente e melhor tradução do mestre russo.
Há dias acordei e, ainda antes de me levantar, reparei que dentro da cabeça havia qualquer coisa que me martelava. Fui ver. Era uma nêspera. Pois, sem razão nenhuma aparente acordei com esse poema na cabeça. Deixo-o aqui para referência futura (quem não conhece a versão dita pelo Mário Viegas?).
A Nêspera, de Mário Henrique Leiria
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
in Novos Contos do Gin
Continuo lentamente a consumir as Contas Correntes de Vergílio Ferreira (vou neste momento no volume III). E continuo a surpreender-me com alguns aspectos... "humanos, demasiado humanos". Um exemplo são as suas ocasionais referências a cabalística, numerologia e outros esoterismos. Note-se que ele não é, aparentemente, adepto de nenhuma destas coisas; ele tem é um amigo que de vez em quando as traz à baila. O que me admira é que alguém com a inteligência do Vergílio Ferreira não descarte imediatamente essas coisas como sendo tretas mas que, em vez disso, perca até algum tempo a escrever sobre elas. Ele até refere que o Jorge de Sena escreveu acerca dos Lusíadas numa perspectiva numerológica, coisa que eu desconhecia.
Bo, mas o exemplo mais incrível é quando o tal amigo previu a determinada altura que iria haver um grande sismo em Lisboa, num determinado dia e hora. Na data prevista o nosso grande escritor/filósofo diz que havia muito trânsito para sair de Lisboa (ou algo do género, não me lembro bem porque foi já noutro volume dos diários). Mas afinal (pasme-se!) não houve sismo. Ora, se uma mente tão iluminada como esta parece preocupar-se (mesmo que com algum cepticismo) com estas balelas que coisas teremos nós, comuns mortais, como certas e que são totalmente absurdas? A reflectir.
A velhice são os pêlos a saírem das orelhas.
Mas não apenas isso. Também o desencanto com tudo, a perda da esperança de algo melhorar, com ocasionais momentos de euforia em que se julga que afinal ainda há tempo e força para aguentar as pauladas que possam vir. Mas não há força. Nunca houve. Apenas ingenuidade.
Periodicamente retorno aqui. Desta vez eliminei todos os posts anteriores e recomeço. Que dizer deste retorno? Apenas que não há nenhuma boa razão que o desculpe. Vamos ver o que acontece.
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